Quão problemática há-de ser uma resposta a estas perguntas, até quão problemáticas são já as próprias perguntas, eis o que se toma patente logo desde a primeira observação. Não há, manifestamente, nenhuma medida quantitativa que possa ser adoptada como grandeza «didácticamente» suficiente da calamidade. As consciências humanas possuem, de múltiplas maneiras, a faculdade de permanecer imunes à evidência catastrófica. Provavelmente, a maioria silenciosa mantém-se sempre fora do possível raio de acção dos grandes desastres. A isso acresce, na Modernidade, que os contemporâneos há muito que suportam outra vez a sua época como um acontecer fatídico, que não é susceptível de se atribuir a nenhuma vontade racional. O segundo fatalismo, que por todo o lado desperta, faz parte de uma consciência que nota a que ponto, mesmo hoje, as coisas correm de modo diferente do que se pensou. Além disso, os grupos mais poderosos das sociedades modernas investiram tanto, política, ideológica, económica e vitalmente, nas técnicas de mobilização mais perigosas, que mesmo acidentes de enormes proporções não conseguem suscitar dúvidas de princípio quanto ao rumo e ao andamento do processo civilizador. Há, nesses meios, grande número de mentalidades irreversivelmente apontadas para a mobilização que, no bunker dos seus reflexos, resistem a todos os abalos. De encontro a semelhantes estruturas, a evidência da catástrofe, mesmo quando realmente presente, faz ricochete. Para elas, a revelação não tem lugar. Afinal, as consciências são mais duras do que os factos, e quem não quis ouvir, quando ainda era possível ouvir, tornar-se-á também indiferente ao sentir".
Slöterdijk, P. (2002 [1989]). A Mobilização Infinita. Para uma crítica da cinética política. Lisboa: Relógio d'Água, pp. 77-78, (Orig.: Eurotaoismus - Zur Kritik der Politischen Kinetik, Surkamp Verlag Frankfurt am Main, 1989)
quinta-feira, 1 de maio de 2008
DA CATÁSTROFE E DO MUNDO ACTUAL
"Quatro breves observações ilustrarão, em seguida, os riscos e limites do pensamento didáctico catastrofista. Somente a partir do fracasso dessa teoria desesperada da aprendizagem se torna plausível que as culturas alternativas apenas venham a ser possíveis como cultura do pânico. Estas observações fomecem comentários a uma interrogação que se encontra na boca de todos os contemporâneos: que é que ainda tem de suceder, antes que aconteça alguma coisa? Aplicada à prática, também se poderia enunciar assim: que ordem de grandeza deveria ter uma catástrofe para que dela irradie o esperado lampejo geral de conhecimento? A partir de que ponto seriam as catástrofes razões evidentes para ideias radicais transformadoras de mentalidades? Até que ponto as coisas têm de ir a pior, antes de poderem melhorar? Têm mesmo de piorar? É válido o suposto nexo entre desgraça e discernimento?
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