terça-feira, 6 de maio de 2008

Os Manos

No princípio era o Caos! E Franz-Joseph Haydn (um Arrebenta musical de outras épocas) disse: “Faça-se a Criação!”. E da Criação surgiram os Théos e a Serra. Os Théos, assim designados por serem a morada dos Deuses, foram habitados por todas as divindades das Musicais Órbitas Celestes, dedicados à harmonia das esferas. Ao pequeno planeta criado para ser habitado por todas as suas maravilhas, deu Haydn o nome de Serra, porque maior não era do que uma pequena Serra. E era tão pequeno este planeta, mas tão pequeno, tão pequeno, tão pequeno, que bem podia passar por um Poema da Servidão. Na Serra não havia oceanos nem mares. Apenas alguns pequenos lagos. E ao 3º dia Haydn fez As Estações para regular o clima da Serra. E ao 4º dia, Haydn mandou os pequenos lagos da Serra encherem-se de vida: “Produzam as águas abundantemente bacalhetes de alma vivente!”. E viu Haydn que era bom. E Haydn os abençoou, dizendo: “Frutificai e multiplicai-vos e enchei as águas de harmonias bacalheteiras”. E ao 6º dia disse Haydn: “Façamos o Mano à nossa imagem e semelhança; e domine sobre os bacalhetes das águas e sobre toda a Serra”. E do alto dos Théos, Haydn os abençoou e lhes disse: “Crescei e multiplicai-vos, e enchei a Serra e sujeitai-a”. E viu Haydn toda a sua Criação e viu que era muito boa, (tão boa, tão boa, tão boa - porra, desampara daqui pra fora, Paulo Teixeira Pinto! - que um jovem Deus chamado Beethoven foi a correr beijar-lhe as mãos).
E ao primeiro Mano, deu Haydn o nome de Nô e à primeira Mana o nome de Mã (e não Má!) e por isso os seus filhos se passaram a chamar U-Manos, que, em Mananês (antes de qualquer acordo pornográphico) quer dizer Filhos de Mã e de Nô. E, desde então, todos os U-Manos são verdadeiros Manos, porque irmãos são na sua condição de eternos filhos de Mã e de Nô. E, ao sétimo dia, Haydn descansou!
Durante milénios, a Serra foi habitada por uma mão-cheia de U-Manos. Mas um dia veio um Deus chamado Louis Pasteur e disse: “Faça-se a Vacina!” E os U-Manos prosperaram. E, alguns anos mais tarde, veio um Deus chamado Alexander Fleming e disse: “Faça-se a Pénis-Celina!”. E todas as Amélias das Marmitas rejubilaram! E os U-Manos prosperaram mais e mais e prosperaram tanto, mas tanto (bem, bem, já chega!), que o seu número chegou aos 6500!!!
Ora, nesses tempos, havia a família dos Lusões que era feita de 10 U-Manos. E havia o clã dos Castelas, que eram em número de 40. E a Serra albergava ainda os clãs dos Francões, que eram 60, e dos Bretinhos, que eram outros tantos. E viviam ainda na Serra 80 Alimões, 60 Italiões, 300 Norte-Buchões, 220 Indonésicos, 190 Brasucões, 160 Pakistões, 130 Japonésicos e 110 Mexicalhões (não confundir com o povo dos Mexilhões, que habitava os desérticos planaltos Áfricões. Mas, de todas as tribos descendentes de Mã e de Nô, eram os Síndicos e os Sinos que alcançavam maior número, pois eram em número de 1100 e de 1300.
Ora os Lusões, os Castelas, os Italiões, os Alimões, os Bretinhos, os Francões e os Norte-Buchões sabiam pescar, enquanto os Síndicos e os Sinos desconheciam essas artes. Assim, os Lusões, que adoravam comer pratos de bacalhete, passavam a vida a pescar no lago da família dos Noruegões, enquanto os Síndicos e os Sinos se limitavam a comer arroz com arroz de arroz.
Um dia, o patriarca dos Lusões, Des-Nível Cava-Rabos y Silva, pediu à senhora sua esposa, D. Josephina de Alcibíades y Sócretina, que fizesse o obséquio de convidar o chefe da Tribo dos Sinos a passar uma temporada na sua modesta casa. Foi então que Madame Mao, matriarca da Tribo dos Sinos, aprendeu a apreciar os muitos ferverosos modos de preparar o bacalhete, pois as artes CU-linárias de D. Josephina muitos méritos tinham, especialmente nas Punhetes de Bacalhete. E os Sinos apreciaram as punhetas de D. Josephina, assim como o Bacalhete à-Brás, o Bacalhete com Natas ou o Bacalhetinho-de-rabo-na-boca (outras requintadas especialidades de D. Josephina).
E os Sinos regressaram ao seu planalto e acharam que arroz com arroz de bacalhete ficava muito melhor que arroz com arroz de arroz e, portanto, também tinham de aprender a pescar. Vai daí, em vez de pedirem um bacalhete para comer, pediram uma cana de pesca e foram todos aprender a pescar bacalhete.
Haydn, na sua infinita sabedoria, tinha ordenado ao bacalhete que se reproduzisse segundo os eróticos meneios da bacalheta e não segundo o número de U-Manos que habitavam a Serra. E os bacalhetes e as bacalhetas estavam-se a cagar (expressão de um Deus por-Menor chamado Iron Rodrigues) para o número de U-Manos e continuavam a fazer bacalhetinhos no pequeno lago dos Noruegões como sempre tinham feito. E o Papá Haydn, que habitava nos Théos em todo o seu esplendor, ficou seriamente preocupado com o que se passava na Serra, porque começou a ouvir umas fortíssimas dissonâncias provenientes das profundezas rectais de Adolfo Mafarrico y Mefistófeles, ruídos que todos os Deuses abominavam e sabiam prenunciar tempos cacofónicos.
Entretanto, os 1300 Sinos aprenderam a pescar, foram à pesca e pescaram muitos bacalhetes, muitas bacalhetas e muitos bacalhetinhos. E fizeram sopas de barbatana de bacalhete, sopas de ninho de bacalhete, bacalhete agri-doce, shop-suey de bacalhete, além das famosas receitas de Punhetas de Bacalhete de D. Josephina de Alcibíades y Sócretina, que faziam furor lá para os lados do Parque Mao Tse Tung VII, no Planalto dos Sinos.
Um dia, Des-Nível Cava-Rabos y Silva, farto dos (des)temperos CU-linários de D. Josephina, foi ao restaurante dos Noruegões para comer Bacalhete à La Amélia das Marmitas. Apanhou um valente susto quando lhe disseram que o bacalhete estava em vias de extinção e outro ainda maior quando lhe disseram que a mais simples das punhetas de bacalhete estava cotada em tão agudas exorbitâncias estratosféricas que nem o tenor Vitório Constancioso conseguiria apurar ao milésimo hertz. E os 10 Lusões começaram a ver a vida a andar para trás por causa dos 1300 Sinos que também já sabiam pescar.
Todos os anos, por alturas do Natal, os Lusões faziam uma ceia de bacalhete. Mas, naquele Natal, o bacalhete estava pela hora da morte. E foram todos gritar às portas do palácio de D. Josephina, dizendo que não tinham bacalhete para comer. E D. Josephina de Alcibíades y Sócretina teve uma inspiração súbita e respondeu-lhes como se estivesse possuída pela alma da sua tetravó Maria Antonieta: "Não têm bacalhete? Que façam punhetas, como eu! Ou então que comam arroz com arroz de arroz!".
E os U-Manos continuaram a crescer e a multiplicar-se, e todos queriam comer muito bacalhete, pelo que os bacalhetes e as bacalhetas passavam a vida em fressureiras actividades, tendo terminado os seus dias por morrer de exaustão, numa versão trágico-marítima de “O Império dos Sentidos”. E foi grande a comoção e a tristeza quando os U-Manos viram que os bacalhetes se tinham extinguido e já não mais poderiam deliciar-se com uma boa punheta de bacalhete. E foi grande o clamor entre todas as Amélias das Marmitas e todos os U-Manos se prepararam para o Coro Final da Criação de Haydn.
Foi então que Haydn, farto dos U-Manos que tinham levado os seus bacalhetes à extinção, decidiu que estava na altura de recuperar as partituras das suas Sinfonias Nº 94 (Surpresa!!!), Nº 101 (Relógio), Nº 103 (Rufar de Tambores) e, principalmente, a Nº 45 (Do Adeus) e pôs todos os U-Manos a abandonar a Serra, um a seguir ao outro, com indicações expressas para que o último a sair, apagasse a vela na estante e fechasse a porta.
Queiram os Deuses, que os príncipes Eszterházy dos nossos tempos tenham a mesma clarividência do seu antepassado do Século XVIII e percebam os sinais da celestial música de Franz Joseph Haydn!

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