segunda-feira, 5 de maio de 2008

Memórias das Minhas Marmitas - A Maria dos Balões ou a quéque da Musgueira




Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas



No velho Rossio dos anos oitenta, eram figuras omnipresentes as duas bichettes vendedoras de balões. Uma, pequena de rodas baixas, entroncada e com um estranho e característico sinal esverdeado na face, fainava na esquina da Rua da Betesga e apregoava a sua traquitanada aos guinchos, enquanto fazia os trocos aos fregueses, recorrendo aos bolsos do saiote preto de varina que usava descaído à cintura. A outra era bem diferente. Alta, magra e com feições correctas, boa pele e cabelo liso castanho claro. Ao primeiro micro-segundo tinha bom aspecto. Vestia razoavelmente. Numa época época em que Versace, Cavalli ou D&G eram griffes tão desconhecidas como a tecnologia da web, o bichame recorria às Rica Lewis, Mustang e Loys, ficando as Lee e as Levi's para os mais favorecidos socialmente. A Maria dos Balões gostava de trabalhar discretamente arranjada: calças de bombazine clara, de cintura alta e convenientemente apertadas no cós, o que lhe dava contornos traseiros daquilo a que se convencionou chamar de "cú de fava", isto é, uma costura tão enfiada por ali acima, que de certeza lhe roçava o fígado. Polo invariavelmente marca LaGoste, com um risonho jacaré verde a cheirar-lhe os sovacos. Sapato mocassin branco de fivela dourada, aberto o suficiente para deixar ver a imaculada meia de turco igualmente alvo. Ocasionalmente, um pull-over caía-lhe em drapeado pelas costas abaixo, bem ao estilo visto na avenida de Roma de então. Era uma perfeita menina quéque da Musgueira.

O posto de trabalho situava-se exactamente entre a entrada do metro diante da Pastelaria Suiça e a paragem de autocarros. Ao cimo das escadas, lá vendia os balões a quem passava e sabia ser convenientemente insistente. Acabado o serviço, podia ser vista muito mais tarde, na zona da embaixada de Espanha, na Avenida, onde concorria com o putedo que por lá alegremente proliferava como imagem de marca da capital. Nunca soube se a Maria dos balões fazia o tapin por prazer, ou pela vontade de arredondar o orçamento, mas a verdade é que do local fazia a sua segunda casa. Com o seu típico andar apertadinho, braços cruzados e a longa franja a dar ao vento, andava para cima e para baixo na expectativa de acontecimentos felizes. Desta forma, o meu amigo M. regularmente passava com o seu bólide desportivo, recolhendo-a para uns saltos mortais em qualquer local sórdido e escuso da vida. Tinha um inexplicável fascínio pela Dos Balões. Há que dizer que o M. era um beto bonitão das avenidas novas, benzoca, atlético e ar matador. Éramos colegas de curso e ele levava tudo muito a sério, de forma programada e metódica. Um verdadeiro causídico.

Uma noite pouco depois do jantar, telefonou-me. Habitualmente saíamos juntos para tomar uns copos, mas daquela vez, pelo tom de voz e urgência no pedido de encontro, pensei que fosse sério o problema. E era. Contou-me detalhadamente a desdita do dia:
-" Vê lá tu que ía hoje a passar no Rossio com a minha mãe e quase morri de susto quando vi A dos Balões mesmo à nossa frente. Não tive coragem de olhar para ela e sabes o que me fez? Veio atrás de nós até à Rua da Betesga aos gritos e de mão na anca a dizer coisas do género: "ooooolha qu'ridaaaa, levas aí a tua rica filhaaaa, devem ir as duas pá Bénáre tomar o cházinho não é? Ela é fina, a outra, é uma rica prenda, só eu sei o que a casa gasta! É uma ganda f'ssureira, é o qu'ela é! Oh qu'rida, ficas a saber que daí não te vem neta nenhumaaaaa, ela é uma ganda machona por fora, mas sempre que não estás em casa, lá nos rebolamos as duas em cima da tua colcha de crochééééé, siiiiiim, essa mesmo que fizeste pá tua caminhaaaaa....! A outra é podre pó 69! Chupamos os grelos uma à outra, nem imaginas o que tens aí.... Parabéns, pelo menos a tua filha vai ser dótôôôraaaa, que fina! Até logo, giraaaa"...
- Foi isto o que se passou, o que hei-de fazer? A minha mãe nem me fala..."
E eu, a rebentar de riso:
- Oh pá, sei lá, nunca percebi porque é que alinhas com o tipo, não me digas que não arranjas melhor...
-"Não sei, mas excita-me, é muit'a boa na cama, tem cá uma pele... e não posso ter um tipo fixo, t'ás ver, sempre tive namoradas"...
Era verdade, mas ele nunca soube ou quis reconhecer que estava apaixonado pela Maria dos Balões. O M. era normalmente visto em público com meninas betas de saia axadrezada e meias de vidro até aos joelhos e frequentava o AdLib. A Maria dos Balões era reservada para as noites de paixão assolapada no Espanhol, uma pensão de despacho na zona do Chiado, bem conhecida por facilitar soluções em casos de premente necessidade. Para os dias mais felizes, lá estava a colcha de crochet à espera.

Ainda vi a Maria dos Balões durante muitos anos. Aos domingos, jantava invariavelmente nos Balões, ao lado do Trumps e era comum ouvir os comentários tecidos em voz alta, referindo-se à clientela: "Pfff, olha, a outra... tá gira, tá... cada vez mais gorda, parece uma porca... muito finas, muito finas, mas passam a vida ao bobó na sauna... e tu, tás a olhar pra onde?, vê lá se queres um arraso..." e coisas do estilo. Nunca lhe conheci o verdadeiro nome, mas sempre a cumprimentei. Pudera...

* O senhor doutor está casado e tem filhotes. É um Nelo no seu melhor, versão machão. A Maria dos Balões lá sabia.

5 comentários:

Paulo Pedroso disse...

O Braganza vai de vento em popa!

:-))

Que (se) venham as memórias da Amélia das Marmitas!

Anónimo disse...

Foda-se que aqui é só panilas!
Recomendaram-me este blog como de política e sociedade e vejo que afinal é de depravados. E as gajas que assinam aqui são travestis da blogosfera?
Xauzinho!
:-((

Paulo Pedroso disse...

Já cá faltavam aqueles cujo olhar só alcança um palmo à frente do nariz.

Anónimo disse...

Algumas andaram a rondar a Opus, porque pesavam que aquilo era uma escada, e é, mas só para carácteres que vêem naquilo mais do que uma escada

Unknown disse...

Já temos um novo sucesso de bilheteira, de certeza... :-))))