segunda-feira, 26 de maio de 2008

O Túnel do prazer


Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas


Um dos desaparecidos centros de interesse de Lisboa, era o famoso túnel do Campo Grande, cenário de epopeias que preencheram a vida de milhares que por lá passaram ao longo de décadas. Hoje encontra-se fechado com grades e cadeado, tal a fúria moralista que por esta cidade grassa. De local de prazer, passou a mera recordação de um passado que deixa saudades a todos. O seu fecho coincidiu com uma devastação sem igual na mata circundante, onde árvores, arbustos e cercas foram destruídos a bem da tranquilidade solitária e onanista de quem manda e tudo pode.
Quem é que não teve uns minutos de folia naquele canal de ligação entre o jardim e a burguesa avenida da Igreja?
Nos bons tempos, os convivas chegavam por volta das 5.30 da tarde, quando no inverno a noite cai depressa, propiciando as necessárias e tranquilizadoras sombras. Rondavam o local e sentavam-se distraídamente nos bancos à coca de um alvo agradável, por lá ficando uns momentos até ao início daquilo que ali os tinha conduzido. Existiam os que faziam parte da casa, pois ali assentavam arraiais todos os dias, por vezes até altas horas da noite, num corropio alucinante e devorador de velhos conhecimentos ou de apetitosas novidades. Quem não se lembra do "almirante"? Este era um tipo que vivia ali para os lados da av. de Roma e que trabalhando numa companhia de navegação, beneficiava do estatuto imaginário que as bichas têm por hábito atribuir aos semelhantes, exagerando as funções: assim, de manga de alpaca, via-se após as 5 da tarde, promovido a almirante. Era um guloso altamente impopular, porque se tornara expert em sabotar os engates alheios, intrometendo-se descaradamente e não conseguindo os seus fins, destruía o forró dos outros. Uma peste.
E o sacristão da igreja do Campo Grande? Era um rapaz com uns vinte anos que despachava a granel e sendo bonito, tinha sempre casa cheia.
E a Rendeira? Era uma bicha-muito-bicha que caminhava sempre com os antebraços virados um para o outro, juntando-se as mãos costas com costas, numa atitude que parecia próxima à das senhoras que fazem o naperon para o frigorífico. Como era nova e engraçada, tinha muita procura, embora não se pudesse andar com a criatura na rua à luz do dia, tal era o embaraço causado.
Existia também aquele que era conhecido pela gira alcunha de A Penitente. Tratava-se de um respeitável senhor sempre de fato e gravata, idoso de mais de 70 anos que ao fim da tarde lá vinha com o seu passo lento e curto, colocar-se nas imediações do túnel. Assim que escurecia, calmamente descia a rampa que dava acesso à catacumba e então, ajoelhava-se sobre a almofadinha de napa que trazia sempre pronta a proteger-lhe as dobradiças. Ficava ali durante horas, especado e de boca aberta, à espera de alguém que lhe desse alimento. Não sei porquê, sempre me fez lembrar um carro numa bomba de gasolina. Á hora do jantar e decerto com o depósito meio cheio, lá ia ter com a família a casa, com certeza contando como as flores começavam a desabrochar mais cedo naquele inverno ameno.
E a jornaleira vesga? Essa nem entrava no túnel, porque preferia ficar ali perto atrás de um arbusto, mostrando o seu gordo e voraz rabo a quem por ali andava à caça de gambozinos.
E o caboverdiano "os Pedro"? Tinha uns dois metros de altura e um autêntico extintor de incêndios dentro das calças. Famosíssimo e sempre muito procurado.
E os "atletas" do jogging? Belo pretexto tinham, correndo distraidamente de um lado para o outro, até porem os mirones em cima de algo que lhes oferecesse a oportunidade de um salto mortal. O fato de treino dá muito jeito!
Um bem conhecido era um fulano que trabalhava num café lá para os lados da Rio de Janeiro, um gajão muito bem armado e nada esquisito, exibicionista e que estava apto para tudo e mais alguma coisa. Às vezes passeava por ali acompanhado pela mulher e pelos dois filhos ao fim de semana e ia cumprimentando os conhecidos com o maior dos à vontades. Um benemérito. Muitas vezes fiquei a pensar no que diria ele à esposa devido ao tão grande número de conhecidos naquele parque.
O suiço-mamão era um perigo para os mais tímidos. Altíssimo e com cara de poucos amigos, mas de uma inacreditável lata. É que nem sequer havia conversas preliminares, porque dizia logo o típico ..."kerrerrr mamarrrr, eu gostarrr"...
Por lá passavam todos, desde os tropas do BST (actual Lusófona) e de outros quartéis, até aos estudantes das faculdades e da escola da Cidade Universitária. Recordo-me também da época em que os tropas mudavam de roupa em plena alameda do jardim, local exacto para umas manobras militares de grande envolvimento pela rectaguarda, pois na sua maior parte eram uns bimbos prontos para o que desse e viesse. E adoravam, ficavam logo com contactos e até telefonavam a marcar nova revista à coluna! A ciganagem do Campo Grande e avenida do Brasil também por lá andava na maior e para grande contentamento dos apreciadores de petiscos exóticos e incertos. Homens das obras, tipos a caminho do encontro com a namorada que trabalhava no Centro Alvalade, gajos que iam ou vinham da bola no Sporting ou Benfica, gente dos comícios do PC ao CDS no Campo Pequeno, enfim, uma chusma imparável e heterogénea. Um fartote, para não falar das dactilógrafas habituais do Bric que por lá corajosamente se aventuravam.
Ali em baixo, batendo as 7 da tarde, chegavam a estar mais de 30 gajos enrolados para o vale tudo. Por vezes entravam casais ou mulheres que pretendendo atravessar com segurança para o outro lado da rua, nem sabiam no que se metiam. Desciam normalmente a rampa e entravam no túnel que estava já bastante escuro. Os primeiros passos eram dados com a firmeza do andar normal, mas poucos metros passados, os incautos ou desprevenidos reparavam infalivelmente com a azáfama que por lá ia e assim, começando a andar mais depressa, saiam em corrida disparada, apavorados com o que lhes podia acontecer. Nem sabiam o que perdiam e alguns, os mais curiosos, concluíam ter descoberto mais um imprescindível ponto de apoio moral às suas insípidas vidas de estudantes ou trabalhadores. Tinham encontrado uma forma simples e gratuita de ter o que apenas sonhavam. E quantos que por lá passavam, tinham inicialmente a mesma reacção e chegando ao fim da rampa de saída, decidiam voltar para trás e aproveitar a oportunidade? Era fácil e numa questão de minutos seguiam o seu caminho.
A coisa estava aberta toda a noite, mas por vezes as altas horas eram perigosas, porque nestes locais existem quase sempre oportunistas que depois de gozarem, querem vingar-se do parceiro, roubando-o ou dando o clássico arrebenta que deixa marcas. Mas valia a pena correr o risco.
Quanta gente despreocupadamente conhecida àquelas paredes se encostou! Alguns engatavam in loco para depois saírem acompanhados em direcção a um local mais íntimo, fosse ele uma árvore, moita num dos lavabos das faculdades, do Quarteto ou do Centro Alvalade. Um espectáculo!
Hoje, tudo acabou e o que existe mais perto, é o circuito automóvel da Cidade Universitária, onde o bichame idiota contribui poderosamente para o efeito de estufa, queimando milhões de litros de gasolina para nada. Muito licradas e apertadinhas com o topo do cabelo em popa idiota, calças a cair pelos chupados cús abaixo, lá fazem o rallye como se estivessem no Chiado. Não valem um corno e o enconanço é total.
O túnel encontra-se por vezes aberto durante o dia, para ser abusivamente encerrado logo que a tarde ameaça chegar ao fim. É a Lisboa que morre aos poucos, uma cidade que não necessita de um Vesúvio que a cubra de cinzas, pois a estupidez e preconceito queimam mais que nunca. Tempos modernos, estes.

9 comentários:

vieira calado disse...

Eu apoio o baicote, claro!
Cumprimentos.

Jay Dee disse...

Passeios turísticos*

Arrebenta disse...

Depois de um texto destes, acho que não preciso de escrever nada durante uma semana :-)
E ainda dizem que a História é uma ficção criada pelos vindouros: isto é um TRATADO CIENTÍFICO!...

quink644 disse...

Estás on line?

Paulo Pedroso disse...

Que é que querem?

Portugal é o país das moralidades veladas e das hipocrisias instaladas.

Todos fingem que são santos e ninguém deixa de pecar... por actos, palavras, actos e omissões.

Eu, por exemplo, adorava pecar muito mais por actos que por omissões... mas, ultimamente, esta porcaria da tendinite no ombro esquerdo...

:-))

quink644 disse...

Estás ou não on line?

Pedro Jorge Barroca disse...

Asqueroso!
Um sidódromo de sífilis, blenorragia, cancros molee e podridão.
A defender comportamentos tão exemplares quanto estes bem podem meter no cu as vossas opiniões sobre política, economia, educação...
E calem-se com os moralismos. Haverá maior moralismo do que o vosso?

Opus Dei disse...

Passou a controleira. Deve andar desvairada. Já tocou os teclados todos das violações constitucionais: descriminação sexual, atentado à liberdade de expressão, só falta o apelo explícito à violência, quer dizer, também já o fez...

http://asvicentinasdebraganza.blogspot.com/2008/03/nota-humorstica-da-administrao.html#links

Paulo Pedroso disse...

Al maminha que partiste, perdão, Alma Eléctrica,

Não se trata de fazer a apologia destes comportamentos ou destas vidas. Muito mais do que isso, importa destacar a hipocrisia de uma sociedade feita de moralidades anacrónicas e de representações teatrais onde todos sabem que estão a representar e, ainda assim, julgam que o "cenário" corresponde efectivamente à realidade.

Fosse esta sociedade muito menos obcecada pelo sexo, pela sexualidade e pela vida alheia e estaríamos numa sociedade bem menos hipócrita.

Muitos dos que passam por esses "asqueroso" antros são aqueles que, às tantas, a sua "alma" cumprimenta respeitosamente como o educado cavalheiro que nunca falta a uma missa, que é gestor de uma empresa ou, quem sabe, é o seu vizinho ou um seu familiar... de quem você jamais desconfiou.

Sim, porque olhe que não falta por aí gente bem camuflada. Às vezes são os que mais abrem a boca contra os "sidódromos".

Já agora, o senhor desconhece a existência de prostitutas nas ruas e nas casas de alterne do mundo inteiro? Se calhar, na localidade onde vive, existem aos montes. E olhe que elas não vivem do ar.