terça-feira, 8 de julho de 2008

Palinódia

Neste blogue praticam-se a Liberdade e o Direito de Expressão próprios das Sociedades Avançadas

Dedicada a José Sócrates Pinto de Sousa, Primeiro-Ministro de Portugal
Ontem, escrevi aqui uma coisa que não devia, e hoje é dia obrigatório de palinódia.
Jamais por culpa nossa, e tão-só por culpa dele, habituámo-nos a ver no "Prime" o boneco colérico e vazio de emoções -- excepto essa -- quando, na realidade, é um humano, como todos nós. Ontem, e no meio das alucinações de costume, enfiei uma brejeirice qualquer, a propósito da sua ausência de Portugal, em período típico de fogo-posto. Lisboa ardia, e ele lá por fora.
No anedotário reles do senso-comum português, também ficou para a história aquela célebre sequência em que Guterres parecia não saber fazer contas. Sabia, mas também sabia que as contas que poderia fazer eram já terríveis, quanto às conclusões, mas mais terrível do que isso, foi terem-lhe feito uma pergunta sobre números, no momento imediato em que ele saía do hospital, onde tinha ouvido o terrível veredicto sobre o cancro do fígado da defunta esposa. Era humana, e natural, que se enganasse, sobre uma questão técnica. Pior estou eu, que nem sei o que é o PIB, porque fiz as Economias sempre a copiar...
Peço desculpa pela brejeirice do "desmancho em Badajoz"... Vamos todos mostrar que também somos capazes de ser humanos, e fazer um pouco de magia branca, para que a coisa resulte favoravelmente. Eu não gostaria de estar na pele de Sócrates, e estou solidário com a sua dor.
Talvez este episódio pessoal também explique o que, então, nos pareceu mais um dos episódios caricatos da sua bibliografia, a promessa de não voltar a fumar... Talvez já fosse mais profunda e polifónica do que parecia. É verdade, e é uma das razões porque desprezo a Política, por esta incapacidade em proteger o drama privado, ou em reler o inexplicável do homem humano, na grandiloquência da sua sombra pública.
Força aí, Zé, o maior aldrabão de Portugal: tens hoje o "Arrebenta" a dar-te uma sincera palmada de conforto nas costas.
Boa sorte.

5 comentários:

Paulo Pedroso disse...

Excelente post, meu caro!

Concordo totalmente com o teor, o objectivo e a essência do que aqui está traduzido.

No entanto, deixo uma pequena questão no ar: tanto quanto sei, a mãe de José Sócrates professa a religião das Testemunhas de Jeová que, entre outras peculiaridades, são conhecidos pela sua extrema aversão a transplantes.

Se assim é, e ainda que nada saibamos sobre a vida pessoal do irmão de JS, nomeadamente se ele também professa a mesma religião da mãe, podemos estar perante um drama humano com níveis de complexidade ainda mais fortes.

Pelo menos, para a mãe, o drama tem nuances que escapam ao comum dos mortais.

Textusa disse...

Compreendo o drama humano. Similar a outros tantos. Infelizmente.

Não me recordo de tamanho alarido aquando da doença da esposa do Sr. Engº Guterres. Mas a minha memória, com a idade, está a esvair-se.

Textusa disse...

... antes que me chamem pequeno, não me move qualquer animosidade contra esta desgraça, porque o é. Uma desgraça.

Apenas penso que um homem de estado deveria ser superior às desgraças pessoais que se lhe atravessem pelo caminho. Só assim terá a autoridade moral para pedir os maiores sacrifícios aos seus. Através do exemplo.

Deveria o homem de estado ser superior, mas muito mais superior deveriam os órgãos de CS não o misturando esse com o ser humano, normalíssimo, que vive um drama humano. Enfim, tratarem o caso da doença do seu irmão, como tratam as suas supostas apetências anais: com silêncio.

Ambas as matérias têm exactmente o mesmo interesse público: nenhum.

Anarca disse...

A mãe do Sócrates apareceu-me um dia à porta a perguntar se eu queria ser Testemunha de Jeová...

Tive de lhe dizer que não, porque não tinha assistido ao desastre...

Paulo Pedroso disse...

Textusa, meu caro,

Tem toda a razão! Há, no entanto, uma leitura cínica que podemos retirar da divulgação pública deste caso: a de que há a intenção de revelar a face humana e emotiva de José Sócrates.

Lamentavelmente, não sei o que possa haver aqui de genuíno ou de construído.