(Nota: este texto chegou através de um telégrafo de´"époque", especialmente utilizado pelo Czar Nicolau II, para saber as novas da Frente, na terrível I Guerra Mundial, e é da autoria de Arrebenta, no seu exílio de Capreia. Será a sua última contribuição neste espaço)
Dedicado a uma família do Séc. XX, os Romanov, abatidos à queima-roupa, após um prolongado sequestro, no longínquo ano de 1918
Há certos aniversários que me desagradam. Gosto de jantares de convívio, de pessoas que se reencontram, para trocarem umas quantas mentiras e umas quantas verdades, entre elas, e, acima de tudo, para celebrarem estar vivas. Este é um aniversário de gente que já está morta. De gente que foi morta, portanto, é a dura celebração de uma data aziaga, e faço-a a contragosto, tão-só por que tem mesmo de ser feita.
A história é facilmente resumível: havia um senhor, Judeu, chamado Lenine, que, comodamente sentado na Suíça, resolveu experimentar, numa terra que tinha um pé no Séc. XX e o outro na Idade Média, pôr em prática uma série de ideias de um tipo que batia na mulher, e vivia à custa dela, chamado Karl Marx, e que nem era estúpido no que dizia, mas, como muitas coisas na História da Humanidade, mais valera que nunca tivesse nascido. Quando perguntaram a Lenine por que não tinha aplicado na Suíça o seu projecto, consta que deu a cínica resposta de "para quê estragar um país tão bonito?..." O que ele fez acabou, mais coisa menos coisa, por estragar a Europa inteira, e duas vezes num mesmo século, a um tal ponto de nihilismo, que, não fosse e a velha Albion e a tão detestada América, talvez não pudéssemos estar a escrever uma única linha do que por aqui fazemos.
A Revolução Francesa, um jogo entre invejosos, sonhadores e maçónicos, acabou por culminar num julgamento "à la mode", onde resolveram atirar para a guilhotina, uma coisa bastante arcaica, perante os métodos de Guantanamo e os prazeres turcos, iranianos e chineses, e, mercê de um julgamento em forma de farsa, um Rei que era um pacato Burguês e uma mulher que só errou no século em que nasceu: fosse hoje viva, e seria a alegria de todas as capas das revistas cor-de-rosa, e teria ganho fortunas, em vez de ter dilapidado as fracas reservas do Tesouro Francês.
O que sucede em 1918 é infinitamente mais sinistro: é um acto premeditado, da Idade Contemporânea, do tempo da Luz Eléctrica, dos Carros, dos Telégrafos, do Cinema, e exercido, sem julgamento, sobre uma famíla inteira, chamada Romanov. Consta que perdeu o Povo, quando, no célebre episódio de São Petersburgo, mandou, por medo, disparar contra a multidão. O mesmo fez uma figura infinitamente mais medíocre, entre nós, quando se assustou com uma ponte, e a coisa era tão miserável que os espingardados de ontem, o reelegeram depois. Povos e povos, mentes e mentes, agachamentos e agachamentos.
Lembro-me nas minha infância, de folhear alguns livros proíbidos, onde aprendi a conhecer, em todos os pormenores fisionómicos, as caras dessa malograda família. Muitas vezes as interroguei, como esfinges, mas as fotografias de outrora são exactamente isso, esfíngicas, e irremediavelmente mudas. Não por acaso, escolhi a de hoje, a da pose impenetrável de um grupo de gente bonita.
A História da Rússia é uma sucessão ininterrupta de crimes, nos quais se insere, às mil maravilhas, todo o rosário de desventuras da Famíla Romanov, mas eu vou abreviar, e vamos já voltar à noite do crime, que é uma banalidade que todos os dias hoje ouvimos na televisão: um bando de sicários, encarregados da negra tarefa, acordou uma família do Séc. XX, encostou-a a uma parede, e disparou, sem piedade. Entre eles, estavam vários jovens, um dos quais se chamava Alexei, e era doente crónico. Depois de cumprida a macabra tarefa, enterraram os corpos onde calhou, e vieram bramar para a História que a Tirania estava extinta.
Não estava: este acto foi apenas uma das Bucetas de Pandora de todo o Séc. XX: o pior estava ainda para vir, e ganhou corpo nos fácies de alguns dos maiores criminosos que o século passado produziu. Por pudor, não porei os seus nomes aqui.
Resta acrescentar que um dos mortos, o mais ilustre, se chamava Nicolau, e tinha a função, por direito divino, de ser Czar de Todas as Rússias. Desde então, as terras que governou tornaram-se no património do Czar de Todas as Mafias. Pelo meio, estão milhões e milhões de mortos, que não poderemos esquecer, e este é o sentido único, e subliminar, deste texto.
Que a Paz possa finalmente pairar sobre as suas e as nossas almas.
7 comentários:
Pois é, foi apenas o acto inaugural para o assassinato de 80 milhões. No entanto, o trapinho vermelho ao pescoço tudo parece santificar. Aqui fizeram o mesmo, 10 anos antes e nem por isso, o parlamento aceitou votar uma moção de condenação do acto. Ficámos elucidados: segundo a de-putação nacional, é legítimo matar o chefe do Estado em plena rua, conspirar para derrubar um regime democrático e fabricar bombas para liquidar opositores partidários. Ainda bem que ficámos avisados...
Talvez, o czar possa agora ter a sua pequena vitória, sobre a história. Vale o que vale mas, ele está muito perto de ser escolhido como o "grande Herói russo" num programa que a TV russa está a realizar. A vitória sobre Lenin parece-me adquirida, resta o outro carniceiro de nome Estaline.
É o que acontece quando se instaura a suposta democracia que segundo eles só pode existir com uma república.
Ena tantos reaccionários FAXOS por aqui......calma que os comunas não comem criancinhas...ignorantes fascistas !!!!
Vá façam lá a vossa censura seus porcos !!!!
Aqui nunca houve censura: só tarados a comentar.
Mas os tarados podem ir comentando: faz parte da cidadania e da censura do Mundo :-)
Os Romanov eram uns monarcas muito conscienciosos e amados pelo povo, sim senhor. O czar de todas as Russias mandou o exército russo atacar os alemães, em 1914. No meio da maior penúria de abastecimentos, da fome, na frente e nas cidades, da falta de munições e do caos na logística, num país sumamente atrasado e muito longe da potência que é hoje, o que é que queriam que acontecesse? Que os soldados continuassem, felizes e contentes, a dar vivas à monarquia, enquanto caíam como tordos, ante a incúria e a cegueira do regime? Isso seria uma impossibilidade histórica. Em Novembro de 1917, Lenine e Trotsky nada teriam conseguido sem a participação entusiástica dos soldados e oficiais de baixa patente do exército do czar, bem como das populações urbanas. Aqui, como na Rev. Francesa, não há conspirações malévolas a mover as coisas, mas apenas forças sociais e económicas que atingem um ponto de ruptura.
Na geologia, a tensão entre duas placas tectónicas leva à acumulação de energia que depois se liberta de repente, originando um terramoto e/ou um tsunami. Pois, na sociedade, o fenómeno é semelhante.
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