Nesta altura do campeonato, os meus leitores devem estar a assumir atitudes muito diferenciadas. Alguns pensarão que eu estou a dizer que a culpa é das economias emergentes, isto é, que estou a apontar o dedo. Meus caros, não se trata de apontar o dedo! Mais do que saber de quem é a culpa, importa apurar responsabilidades. E, mais do que encontrar bodes expiatórios, importa conhecer as causas e compreender as consequências das acções humanas. E elas são bem mais complexas do que essas respostas simples que você passa a vida a tirar da manga. Também imagino que haja quem nem queira ler, só para não ter de passar pela afronta de ver as suas convicções, os seus valores, a sua lógica e o sentido do seu mundo serem profundamente postos em causa. E também há aqueles que abanam o braço e dizem que o Paulo Pedroso está a delirar e a ver coisas impossíveis de suceder. Há sempre muitos estados de negação: os que dizem que já fazem muito, porque separam e reciclam os seus resíduos, os que dizem que não são os principais responsáveis, os que dizem que ninguém tem o direito de lhe apontar os excessos e as irresponsabilidades, os que dizem que não fizeram nada de mal, os que dizem que desconhecem os efeitos e as consequências das suas acções (do seu comportamento altamente consumista), os que dizem que há demasiados impedimentos, os que estão acomodados e, finalmente, os que se consideram impotentes porque nenhum dos seus actos poderá fazer a diferença.
Você está convencido que existe uma crise no mercado petrolífero? O conceito de crise pressupõe que um, ou vários factores, desequilibram temporariamente um mercado, mercado esse que tenderá novamente a equilibrar-se, assim que terminem os efeitos da crise. Ora, não há maior erro do que seguir as palavras dos jornalistas que nos passam a vida a dizer que há uma crise. Mas qual crise? Metade das reservas petrolíferas (convencionais) foram esgotadas, resta a outra metade, que é geologicamente mais difícil de obter, num contexto em que a procura não pára de aumentar e a oferta dispõe de reservas cada vez menores. E você ainda está convencido que o preço do petróleo está onde está por causa de uma crise? Não, habitue-se, porque as tendências dos últimos anos são estruturais e não conjunturais. Apesar das flutuações conjunturais, das especulações, da instabilidade no Médio Oriente, das constipações de Hugo Chavez ou das indisposições dos ayatolas, o mercado petrolífero vai continuar estruturalmente caracterizado pela existência de uma oferta cada vez mais restrita e de uma procura cada vez mais faminta. Vá deitando contas ao que aí vem, como consequência de uma fonte energética tão importante como o petróleo com preços crescentemente galopantes. E continue distraído, a consumir desvairadamente, continue a exigir mais salários, para si e para os milhões de cidadãos deste planeta, para irem todos a correr fazer compras nos shoppings. E não se esqueça de fazer muito turismo, conduzir sempre acima de 140km/hora nas auto-estradas e continuar a enfiar na cabeça dos seus filhos que os desportos automóveis são uma referência a glorificar, que a lógica da velocidade deve ser aplaudida e que devemos usar os automóveis para “injectar” adrenalina nos nossos corpos sedentos de emoções e de sensações.
Quando o petróleo convencional se esgotar, este planeta poderá sustentar uma população humana com elevados padrões de consumo, entre 10% a 30% dos efectivos humanos actualmente existentes. As possibilidades de alargamento ou estreitamento deste leque dependem, em grande medida, de factores relacionados com a eficiência energética, com a responsabilidade social e ambiental ou ainda com as evoluções tecnológicas. Para mim, cosmopolita inveterado, prefiro um planeta onde se respire tanta liberdade e igualdade quanta diversidade e responsabilidade. Quero e desejo um planeta habitado por muitas culturas, muitos povos, muitas sensibilidades, muitas lógicas de acção. Mas, para que este planeta se torne viável, seria necessário alcançar um equilíbrio entre aquilo que desejamos e aquilo que podemos ter. É possível encontrar soluções que garantam paz, prosperidade, padrões elevados de consumo (qualidade de vida), equilíbrio ambiental e diversidade cultural. Basta que tenhamos noção das consequências dos impactos que produzimos, noção de que não devemos ultrapassar certos limites, noção de que temos deveres para connosco, para as gerações futuras e para a diversidade ecológica, no fundo, noção de responsabilidade. É óbvio que podemos e devemos defender valores como a liberdade, a igualdade e a fraternidade. É óbvio que temos direito a uma existência digna, a crescer cultural, intelectual e materialmente. Mas, em nome da nossa própria sobrevivência, não podemos nem devemos fazê-lo para além de certos limites. E isso pode ter de nos levar a questionar alguns dos nossos valores. Pode ter de levar-nos a discutir questões éticas muito controversas, como, por exemplo, a questão de saber se cada casal pode decidir o número de filhos que quer ter. E não, não é que eu goste desta ideia. Eu, como você, também fui formatado para considerar esta ideia aberrante. No entanto, será esta uma ideia aberrante aos olhos das próximas gerações?
Já ouviu falar, certamente, no designado ciclo vicioso do subdesenvolvimento. Este ciclo explica-se, de um modo muito simples: os factores, as condições e as características de subdesenvolvimento de um país acabam, muitas vezes, por promover mais e mais subdesenvolvimento, condicionando fortemente as opções económicas de um país. Gostaria que você já se tivesse apercebido de que existe também um ciclo vicioso para o desenvolvimento. As populações dos países desenvolvidos são extremamente exigentes quanto aos seus direitos, seguem padrões de consumo bastante elevados, possuem classes médias massivas. À escala mundial, é relativamente irrelevante o impacto de 10 milhões de portugueses. Mas o impacto de 300 milhões de norte-americanos já é bastante significativo. Assim como dos 600 milhões de europeus. Se juntarmos a toda esta gente, a população da Austrália, do Japão, da Coreia do Sul, da Rússia e de mais alguns cantinhos economicamente desenvolvidos, obtemos impactos desastrosos sobre o ambiente terrestre. O desenvolvimento gera mais desenvolvimento, isto é, promove maior liberdade e igualdade económicas que, por sua vez, intensificam os consumos de bens e de serviços. E aposto que você, sempre que parou um segundo para questionar todas estas coisas (se é que o fez!), imediatamente afastou estas ideias da cabeça e continuou a conduzir destravadamente ou correu para o shopping para comprar mais um brinquedo que lhe pudesse afagar o ego, certo?
A humanidade é composta tanto de altruísmo quanto de egoísmo. Não importa se você tem mais duma ou doutra. Interessa-nos apenas o resultado agregado das escolhas humanas. E não são as excepções à regra que contam. Na hora da verdade, quando as pessoas tomam decisões, é o padrão que conta. Afinal de contas, vivemos numa democracia, pelo que são as decisões da maioria que contam. Certamente que você não acredita que, em 1939, todos os alemães desejavam a guerra. Aqueles que decidiram ser uma corajosa e louvável excepção, foram engolidos pelos acontecimentos. E você, que hoje em dia reclama devido ao preço dos combustíveis e dos alimentos, o que acha que fará quando eles forem tão caros que comecem a causar-lhe problemas sérios? Nessa altura, o que virá à tona da água: o egoísmo ou o altruísmo? Quando você perceber que a satisfação das suas necessidades e dos seus interesses económicos e materiais se encontram em rota de colisão frontal com as necessidades e os interesses económicos e materiais de outros habitantes deste planeta, o que irá fazer você? Ou antes, coloquemos o dilema num plano ética e axiologicamente mais complexo, mais duro e de resposta mais difícil: quando os seus interesses materiais colidirem de frente com os seus valores de solidariedade, igualdade, justiça social, paz e liberdade, que irá você fazer?
Os seus dilemas e as suas escolhas individuais pouco importam se não perceber o que se está a passar. E, se você continuar a raciocinar dentro dos limites de um formato civilizacional, ideológico ou religioso, você irá fazer o que os seres humanos sempre fizeram em situações semelhantes. Irá apontar o dedo a um grupo qualquer, dizendo que a culpa é toda deles, e irá votar em líderes políticos que pouco ou nada se diferenciarão de Hitler ou de Estaline.
Sim, quando tudo isto ocorrer, estaremos lamentavelmente a pisar um terreno fértil para a emergência dos Discursos Heterofóbicos (fobia à diferença, ao outro, à diversidade). Designo por Discursos Heterofóbicos todo e qualquer discurso simbólico, subjectivamente construído, normalmente de cariz radical, destinado a manipular a opinião, a consciência e as escolhas dos cidadãos, sustentado na construção de “verdade absolutas” baseadas no ódio, na aversão ou na atribuição da culpa a grupos sociais específicos. Assim, são exemplos de discursos heterofóbicos, os discursos racistas, xenófobos, nacionalistas, homofóbicos, enfim, todos os discursos que se sustentam segundo lógicas arbitrárias, destinadas a discriminar pessoas, comunidades ou grupos sociais com base na raça, na etnia, no género, na ideologia, na classe social, na religião, etc.
Num contexto difícil, como esse que se aproxima, o terreno será mais do que propício a todo o tipo de discursos demagógicos. À Direita e à Esquerda, não faltarão soluções fáceis e dedos apontados em certas direcções. Será uma época excelente para o despontar de novos generais e de novos cardeais, todos eles com soluções baratas, rápidas e que prometerão milhões. O caminho estará aberto à insanidade, em todo o seu esplendor, brilho e encanto. E a humanidade poderá cair nas mãos de novos Hitlers e de novos Estalines, uns a dizer que temos de exterminar um qualquer povo (ou povos) e outros a dizer que temos de exterminar uma classe qualquer (os ricos ou os pobres). E você sabe tão bem como eu que, nessa altura, os generais terão ao seu dispor armamento que teria feito as delícias de Adolf Hitler. E, é claro, para além dos generais, virão os cardeais, apontar o dedo aos depravados que despertaram a ira divina. E, por isso, centenas de milhões de seres humanos irão a correr, entregar-se voluntariosamente nas mãos das religiões e dos seus desígnios medievais. E, nessa altura, despertará o “melhor” da humanidade. Voltaremos a assistir a cenas que julgávamos pertencerem definitivamente ao passado. Iluminar-se-ão altares, destruir-se-ão bibliotecas, queimar-se-ão cientistas, bruxas, depravados, escritores e intelectuais. E você, quem sabe, vai estar na primeira fila, a soprar a fogueira, para que a insanidade não morra.
Sim, a humanidade não conseguiu libertar-se das grilhetas da heterofobia. Continuamos a acreditar na bondade dos discursos nacionalistas, ideológicos ou religiosos e a adorar as encenações rituais que todas as instituições desse género são capazes de montar, para deleite das nossas almas e exaltação dos nossos espíritos. Quando surgir o tempo da longa derrocada, você irá a correr prestar vassalagem a um templo qualquer, sendo irrelevante se esse templo tiver sido erigido para maior glória de um qualquer Deus, de um qualquer Hitler ou de um qualquer Estaline. Quem sabe se você não será um dos primeiros a bater com a mão no peito, a jurar fidelidade e a apontar o dedo para um descrente que deve ser enviado para a fogueira?
Não me diga que está à espera de Deus para que tudo corra bem e para que estes cenários catastróficos não sucedam? Nunca ouviu dizer que já foi decretada a morte de Deus? Olhe, não é para ser desmancha-prazeres mas, na melhor das hipóteses, Deus está a dormir (profundamente)!
E, enquanto Deus Sonha, o Homem quer e a merda nasce!
Para terminar este post, gostaria de deixar apenas um pequeno exemplo ilustrativo. Imagine você que Bill Gates acordava um destes dias com a síndroma de S. Francisco de Assis e decidia desfazer-se de toda a sua colossal fortuna de 60 mil milhões de dólares(!!!), entregando-a nas mãos de dezenas ou de centenas de milhões de pobres. Certamente que você, como eu, e como a maior parte do mundo, aplaudiria emocionadamente de pé semelhante acto altruísta. Até aposto que rapidamente surgiriam petições na internet para exigir que a Igreja Católica decretasse imediatamente, com carácter retroactivo, a santidade de Bill Gates, assim como a dos seus antepassados até à 3ª geração. E São Bill poderia morrer descansado porque jamais alguém teria pago semelhante exorbitância por uma indulgência.
Bem, mas o que importa, uma vez mais, são as consequências: quando Bill Gates almoça, almoça uma refeição. E quando compra uma casa (que deve ter dezenas delas), é de uma casa que estamos a falar, mesmo que toda ela esteja a abarrotar do mais absurdo e ostensivo luxo. E quando Bill Gates toma um café, estamos a falar apenas de um café. E quando ele fala ao telemóvel ou vê televisão, estamos a falar apenas de um telemóvel (certamente topo de gama) e apenas de uma televisão. E é claro que, se ele quiser, pode ter dezenas de telemóveis pessoais e centenas ou milhares de televisões mas suponho que não será bem assim. Mesmo que todos os quartos de todas as casas dele tenham televisões (o que será um absurdo), estaremos a falar de algumas dezenas de televisões.
Que sucederia se toda a fortuna de Bill Gates fosse parar às mãos de alguns milhões de seres humanos? Acham que iam a correr enfiar o dinheiro nos colchões? O que é que esses milhões de seres humanos fariam? Consumir, claro! Não é o que você faria? Ou vai-me dizer que nunca equacionou as decisões que tomaria se acertasse no Euromilhões? Por isso, certamente que o mundo seria muito mais agradável, mais equilibrado, mais justo, mais igualitário, se Nossa Senhora de Fátima aparecesse a Bill Gates e ele se desfizesse da sua fortuna a favor dos mais pobres do mundo. Seria um gesto de uma magnitude a todos os níveis louvável. Mas, uma vez mais, ninguém se iria preocupar com as consequências decorrentes do consumo absurdo provocado por todos esses milhões de seres humanos. Uma vez mais, que fique bem claro: eu não prefiro um mundo desproporcionadamente diferenciado, em que uns têm quase tudo, enquanto imensos não têm quase nada. Eu também detesto um mundo feito de desigualdades profundas, onde seres humanos morrem à fome e são vítimas das mais miseráveis condições de vida. O que está em causa, não é o valor da igualdade, que é um valor que devemos proteger, acarinhar, defender e valorizar. Não podemos ser irresponsáveis e julgar que as consequências de um mundo igualitário são as mesmas, quer sejamos 600 milhões, 6.000 milhões ou 60.000 milhões.
Você está convencido que existe uma crise no mercado petrolífero? O conceito de crise pressupõe que um, ou vários factores, desequilibram temporariamente um mercado, mercado esse que tenderá novamente a equilibrar-se, assim que terminem os efeitos da crise. Ora, não há maior erro do que seguir as palavras dos jornalistas que nos passam a vida a dizer que há uma crise. Mas qual crise? Metade das reservas petrolíferas (convencionais) foram esgotadas, resta a outra metade, que é geologicamente mais difícil de obter, num contexto em que a procura não pára de aumentar e a oferta dispõe de reservas cada vez menores. E você ainda está convencido que o preço do petróleo está onde está por causa de uma crise? Não, habitue-se, porque as tendências dos últimos anos são estruturais e não conjunturais. Apesar das flutuações conjunturais, das especulações, da instabilidade no Médio Oriente, das constipações de Hugo Chavez ou das indisposições dos ayatolas, o mercado petrolífero vai continuar estruturalmente caracterizado pela existência de uma oferta cada vez mais restrita e de uma procura cada vez mais faminta. Vá deitando contas ao que aí vem, como consequência de uma fonte energética tão importante como o petróleo com preços crescentemente galopantes. E continue distraído, a consumir desvairadamente, continue a exigir mais salários, para si e para os milhões de cidadãos deste planeta, para irem todos a correr fazer compras nos shoppings. E não se esqueça de fazer muito turismo, conduzir sempre acima de 140km/hora nas auto-estradas e continuar a enfiar na cabeça dos seus filhos que os desportos automóveis são uma referência a glorificar, que a lógica da velocidade deve ser aplaudida e que devemos usar os automóveis para “injectar” adrenalina nos nossos corpos sedentos de emoções e de sensações.
Quando o petróleo convencional se esgotar, este planeta poderá sustentar uma população humana com elevados padrões de consumo, entre 10% a 30% dos efectivos humanos actualmente existentes. As possibilidades de alargamento ou estreitamento deste leque dependem, em grande medida, de factores relacionados com a eficiência energética, com a responsabilidade social e ambiental ou ainda com as evoluções tecnológicas. Para mim, cosmopolita inveterado, prefiro um planeta onde se respire tanta liberdade e igualdade quanta diversidade e responsabilidade. Quero e desejo um planeta habitado por muitas culturas, muitos povos, muitas sensibilidades, muitas lógicas de acção. Mas, para que este planeta se torne viável, seria necessário alcançar um equilíbrio entre aquilo que desejamos e aquilo que podemos ter. É possível encontrar soluções que garantam paz, prosperidade, padrões elevados de consumo (qualidade de vida), equilíbrio ambiental e diversidade cultural. Basta que tenhamos noção das consequências dos impactos que produzimos, noção de que não devemos ultrapassar certos limites, noção de que temos deveres para connosco, para as gerações futuras e para a diversidade ecológica, no fundo, noção de responsabilidade. É óbvio que podemos e devemos defender valores como a liberdade, a igualdade e a fraternidade. É óbvio que temos direito a uma existência digna, a crescer cultural, intelectual e materialmente. Mas, em nome da nossa própria sobrevivência, não podemos nem devemos fazê-lo para além de certos limites. E isso pode ter de nos levar a questionar alguns dos nossos valores. Pode ter de levar-nos a discutir questões éticas muito controversas, como, por exemplo, a questão de saber se cada casal pode decidir o número de filhos que quer ter. E não, não é que eu goste desta ideia. Eu, como você, também fui formatado para considerar esta ideia aberrante. No entanto, será esta uma ideia aberrante aos olhos das próximas gerações?
Já ouviu falar, certamente, no designado ciclo vicioso do subdesenvolvimento. Este ciclo explica-se, de um modo muito simples: os factores, as condições e as características de subdesenvolvimento de um país acabam, muitas vezes, por promover mais e mais subdesenvolvimento, condicionando fortemente as opções económicas de um país. Gostaria que você já se tivesse apercebido de que existe também um ciclo vicioso para o desenvolvimento. As populações dos países desenvolvidos são extremamente exigentes quanto aos seus direitos, seguem padrões de consumo bastante elevados, possuem classes médias massivas. À escala mundial, é relativamente irrelevante o impacto de 10 milhões de portugueses. Mas o impacto de 300 milhões de norte-americanos já é bastante significativo. Assim como dos 600 milhões de europeus. Se juntarmos a toda esta gente, a população da Austrália, do Japão, da Coreia do Sul, da Rússia e de mais alguns cantinhos economicamente desenvolvidos, obtemos impactos desastrosos sobre o ambiente terrestre. O desenvolvimento gera mais desenvolvimento, isto é, promove maior liberdade e igualdade económicas que, por sua vez, intensificam os consumos de bens e de serviços. E aposto que você, sempre que parou um segundo para questionar todas estas coisas (se é que o fez!), imediatamente afastou estas ideias da cabeça e continuou a conduzir destravadamente ou correu para o shopping para comprar mais um brinquedo que lhe pudesse afagar o ego, certo?
A humanidade é composta tanto de altruísmo quanto de egoísmo. Não importa se você tem mais duma ou doutra. Interessa-nos apenas o resultado agregado das escolhas humanas. E não são as excepções à regra que contam. Na hora da verdade, quando as pessoas tomam decisões, é o padrão que conta. Afinal de contas, vivemos numa democracia, pelo que são as decisões da maioria que contam. Certamente que você não acredita que, em 1939, todos os alemães desejavam a guerra. Aqueles que decidiram ser uma corajosa e louvável excepção, foram engolidos pelos acontecimentos. E você, que hoje em dia reclama devido ao preço dos combustíveis e dos alimentos, o que acha que fará quando eles forem tão caros que comecem a causar-lhe problemas sérios? Nessa altura, o que virá à tona da água: o egoísmo ou o altruísmo? Quando você perceber que a satisfação das suas necessidades e dos seus interesses económicos e materiais se encontram em rota de colisão frontal com as necessidades e os interesses económicos e materiais de outros habitantes deste planeta, o que irá fazer você? Ou antes, coloquemos o dilema num plano ética e axiologicamente mais complexo, mais duro e de resposta mais difícil: quando os seus interesses materiais colidirem de frente com os seus valores de solidariedade, igualdade, justiça social, paz e liberdade, que irá você fazer?
Os seus dilemas e as suas escolhas individuais pouco importam se não perceber o que se está a passar. E, se você continuar a raciocinar dentro dos limites de um formato civilizacional, ideológico ou religioso, você irá fazer o que os seres humanos sempre fizeram em situações semelhantes. Irá apontar o dedo a um grupo qualquer, dizendo que a culpa é toda deles, e irá votar em líderes políticos que pouco ou nada se diferenciarão de Hitler ou de Estaline.
Sim, quando tudo isto ocorrer, estaremos lamentavelmente a pisar um terreno fértil para a emergência dos Discursos Heterofóbicos (fobia à diferença, ao outro, à diversidade). Designo por Discursos Heterofóbicos todo e qualquer discurso simbólico, subjectivamente construído, normalmente de cariz radical, destinado a manipular a opinião, a consciência e as escolhas dos cidadãos, sustentado na construção de “verdade absolutas” baseadas no ódio, na aversão ou na atribuição da culpa a grupos sociais específicos. Assim, são exemplos de discursos heterofóbicos, os discursos racistas, xenófobos, nacionalistas, homofóbicos, enfim, todos os discursos que se sustentam segundo lógicas arbitrárias, destinadas a discriminar pessoas, comunidades ou grupos sociais com base na raça, na etnia, no género, na ideologia, na classe social, na religião, etc.
Num contexto difícil, como esse que se aproxima, o terreno será mais do que propício a todo o tipo de discursos demagógicos. À Direita e à Esquerda, não faltarão soluções fáceis e dedos apontados em certas direcções. Será uma época excelente para o despontar de novos generais e de novos cardeais, todos eles com soluções baratas, rápidas e que prometerão milhões. O caminho estará aberto à insanidade, em todo o seu esplendor, brilho e encanto. E a humanidade poderá cair nas mãos de novos Hitlers e de novos Estalines, uns a dizer que temos de exterminar um qualquer povo (ou povos) e outros a dizer que temos de exterminar uma classe qualquer (os ricos ou os pobres). E você sabe tão bem como eu que, nessa altura, os generais terão ao seu dispor armamento que teria feito as delícias de Adolf Hitler. E, é claro, para além dos generais, virão os cardeais, apontar o dedo aos depravados que despertaram a ira divina. E, por isso, centenas de milhões de seres humanos irão a correr, entregar-se voluntariosamente nas mãos das religiões e dos seus desígnios medievais. E, nessa altura, despertará o “melhor” da humanidade. Voltaremos a assistir a cenas que julgávamos pertencerem definitivamente ao passado. Iluminar-se-ão altares, destruir-se-ão bibliotecas, queimar-se-ão cientistas, bruxas, depravados, escritores e intelectuais. E você, quem sabe, vai estar na primeira fila, a soprar a fogueira, para que a insanidade não morra.
Sim, a humanidade não conseguiu libertar-se das grilhetas da heterofobia. Continuamos a acreditar na bondade dos discursos nacionalistas, ideológicos ou religiosos e a adorar as encenações rituais que todas as instituições desse género são capazes de montar, para deleite das nossas almas e exaltação dos nossos espíritos. Quando surgir o tempo da longa derrocada, você irá a correr prestar vassalagem a um templo qualquer, sendo irrelevante se esse templo tiver sido erigido para maior glória de um qualquer Deus, de um qualquer Hitler ou de um qualquer Estaline. Quem sabe se você não será um dos primeiros a bater com a mão no peito, a jurar fidelidade e a apontar o dedo para um descrente que deve ser enviado para a fogueira?
Não me diga que está à espera de Deus para que tudo corra bem e para que estes cenários catastróficos não sucedam? Nunca ouviu dizer que já foi decretada a morte de Deus? Olhe, não é para ser desmancha-prazeres mas, na melhor das hipóteses, Deus está a dormir (profundamente)!
E, enquanto Deus Sonha, o Homem quer e a merda nasce!
Para terminar este post, gostaria de deixar apenas um pequeno exemplo ilustrativo. Imagine você que Bill Gates acordava um destes dias com a síndroma de S. Francisco de Assis e decidia desfazer-se de toda a sua colossal fortuna de 60 mil milhões de dólares(!!!), entregando-a nas mãos de dezenas ou de centenas de milhões de pobres. Certamente que você, como eu, e como a maior parte do mundo, aplaudiria emocionadamente de pé semelhante acto altruísta. Até aposto que rapidamente surgiriam petições na internet para exigir que a Igreja Católica decretasse imediatamente, com carácter retroactivo, a santidade de Bill Gates, assim como a dos seus antepassados até à 3ª geração. E São Bill poderia morrer descansado porque jamais alguém teria pago semelhante exorbitância por uma indulgência.
Bem, mas o que importa, uma vez mais, são as consequências: quando Bill Gates almoça, almoça uma refeição. E quando compra uma casa (que deve ter dezenas delas), é de uma casa que estamos a falar, mesmo que toda ela esteja a abarrotar do mais absurdo e ostensivo luxo. E quando Bill Gates toma um café, estamos a falar apenas de um café. E quando ele fala ao telemóvel ou vê televisão, estamos a falar apenas de um telemóvel (certamente topo de gama) e apenas de uma televisão. E é claro que, se ele quiser, pode ter dezenas de telemóveis pessoais e centenas ou milhares de televisões mas suponho que não será bem assim. Mesmo que todos os quartos de todas as casas dele tenham televisões (o que será um absurdo), estaremos a falar de algumas dezenas de televisões.
Que sucederia se toda a fortuna de Bill Gates fosse parar às mãos de alguns milhões de seres humanos? Acham que iam a correr enfiar o dinheiro nos colchões? O que é que esses milhões de seres humanos fariam? Consumir, claro! Não é o que você faria? Ou vai-me dizer que nunca equacionou as decisões que tomaria se acertasse no Euromilhões? Por isso, certamente que o mundo seria muito mais agradável, mais equilibrado, mais justo, mais igualitário, se Nossa Senhora de Fátima aparecesse a Bill Gates e ele se desfizesse da sua fortuna a favor dos mais pobres do mundo. Seria um gesto de uma magnitude a todos os níveis louvável. Mas, uma vez mais, ninguém se iria preocupar com as consequências decorrentes do consumo absurdo provocado por todos esses milhões de seres humanos. Uma vez mais, que fique bem claro: eu não prefiro um mundo desproporcionadamente diferenciado, em que uns têm quase tudo, enquanto imensos não têm quase nada. Eu também detesto um mundo feito de desigualdades profundas, onde seres humanos morrem à fome e são vítimas das mais miseráveis condições de vida. O que está em causa, não é o valor da igualdade, que é um valor que devemos proteger, acarinhar, defender e valorizar. Não podemos ser irresponsáveis e julgar que as consequências de um mundo igualitário são as mesmas, quer sejamos 600 milhões, 6.000 milhões ou 60.000 milhões.
6 comentários:
Paulo Pedroso fala dos velhíssimos problemas da justiça, ampliados pela tecnologia. Fala bem, mas nada acrescenta de novo. E não diz que as velhíssimas armas de lutar contra a injustiça, que são aquelas que ainda nos restam, ainda fazem todo o sentido, embora possam não levar a grande coisa. Prefiro morrer o mais tarde que me for possível.
Parece-me que o Paulo Pedroso está a fazer o papel de Captain Obvious. Como disse o comentador anterior, nada de novo. Perante um cenário catastrofista como apresenta nem faz sentido falar de valores ideológicos. Faz-me lembrar aquela do avião que se despenhou e os sobreviventes comeram os corpos dos mortos. Obviamente. É a selvajaria.
Qual era o ponto?
Vou ficar a ler, mesmo assim, a ver no que isto vai dar.
O Euromilhões é uma ilusão colectiva e uma manipulação certa.
Ninguém acerta.
PALAVROSSAVRVS REX
Este PAulo Pedroso , é agente infiltrado , dos que querem que morram muitos pretos, chinese, e sobretudo os xiitas e sunitas , para que sobre alguma comida para a gente!!!!
Vocês sabem quanto custa por dia a guerra do Iraque e se essa população , em vez de estar a levar com bombas estivesse a trabalhar na sua vida , quantos kilos de comida produzia ?
Existe um plano de despopulação no qual se encuadra a realidade dos dias de hoje na Africa, Asia e America Latina!
Vão-se catar !
Que texto ridículo!
Elaborar uma hipótese especulativa como a deste texto só faz sentido para pensar como a fortuna do Bill Gates, ao sair das suas mãos, seria bastante útil para toda a humanidade se esse dinheiro servisse para criar infraestruturas de produção, alimentar principalmente. Construir onde nada existe. Sanar carências.
Que sentido faz elaborar um raciocínio baseado na ideia que o dinheiro seria para entregar a boçais que já têm tudo, o essencial e o supérfluo?
É neste último esquema de raciocínio que o estupor que assina este texto se baseia.
Justifica, subscreve e apoia toda a ganância e riqueza egoísta e obscena que existe no mundo porque esse dinheiro seria entregue a "consumistas"! E não me refiro ao dinheiro do Bill Gates particularmente, pois este até ganhou a sua fortuna de forma mais ou menos honesta.
O que este Paulo Pedroso aprova implicitamente é que as fortunas nas mãos de todos os mafiosos do mundo e de toda a escumalha podre de rica à custa do sacrifício e da exploração dos seus semelhantes, tem o pleno direito de gastar esse dinheiro de forma opulenta e frívola enquanto a humanidade tem milhões de seres que não sabem o que é a energia eléctrica nem um telefone nem os cuidados de saúde mais básicos.
Não admira que um coirão como ele pense assim. Como diria o Almada Negreiros "Os burgueses de Portugal têm de pior que os outros o serem portugueses!"
Esta obscenidade só pode mesmo vir de um apoiante de outro ridículo coirão, o Paulo Portas, que não sabe nada da vida nem do mundo, além de comer em restaurantes de luxo e de comer no cu a bordo de Jaguares.
haiduc,
Ridícula é precisamente a sua ideia de que podemos continuar a esticar a corda como se não houvesse limites para o que podemos exigir a este planeta.
Ridículas são as suas afirmações de que podemos continuar a aumentar a produção e o consumo como se não houvesse consequências para o equilíbrio das economias, das sociedades e dos ecossistemas.
Diga lá, se faz favor, onde e como é que você vai continuar a garantir o aumento da produção e do consumo quando se tiver esgotado o petróleo? Vai-lhe cair energia barata do céu? Ou vai continuar à espera de uma solução do mercado? É que os que acreditam que o fim do petróleo não nos traz problemas, são precisamente aqueles que estão à espera das soluções milagrosas que o mercado irá providenciar, como a Economia do hidrogénio?
E depois do fim do petróleo? E quando se esgotarem as reservas de gás natural (mais umas décadas, para além do fim do petróleo) e quando se esgotarem as reservas de carvão (mais umas décadas para além do fim do gás natural), você vai continuar a achar que as necessidades da humanidade poderão continuar a ser alargadas infinitamente, a mais milhares de milhões de seres humanos?
Toca, portanto, a produzir mais, a consumir mais, a distribuir mais, a emitir mais gases de efeito de estufa, a degradar ainda mais o ambiente e a desequilibrar os ecossistemas. Vamos desflorestar ainda mais o planeta, porque, diz-nos o haiduc, é preciso aumentar a produção para satisfazer as necessidades de mais uns milhares de milhões de seres humanos. E é nesta insanidade que continuamos, sem pcompreender as consequências do que queremos, do que pedimos, do que exigimos.
O resultado do que estamos a viver é tanto dos excessos da Direita neo-liberal, que acha que pode usar os recursos do planeta sem qualquer limite, quanto dos excessos da sua Esquerda estúpida que exige mais para todos, sem perceber que o impacto da igualdade consumista não é o mesmo se formos milhares de milhões a consumir desenfreadamente.
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