Hoje passei a tarde inteira a percorrer a 78ª Feira do Livro do Porto, no Palácio de Cristal, pelo que podem esperar, dentro em breve, mais algumas publicações da rubrica bragantina “Não li, mas gostei”. Há muitas coisas para revelar proximamente mas, o que mais lamento foi o muito que ficou por comprar (ainda por cima a preços reduzidos). Mas, enfim, as motivações que agora aqui me trazem não têm nada a ver com literatura mas sim com um dos paradoxos mais curiosos da nossa cultura: o paradoxo Lusitano!
Amanhã regresso à Serra da Estrela, serra que, sabem certamente, era conhecida na antiguidade como Montes Hermínios. Por essas paragens, segundo diz a lenda, caminhou Viriato, comandante das tribos Lusitanas, enquanto guerreava o invasor romano.
Quer a cultura erudita nacional, quer a tradição popular, instituíram e elevaram a figura mítica, lendária e historicamente pouco consistente de Viriato, à condição de primeiro português. Não que se queira retirar o papel preponderante a D. Afonso Henriques. Nada disso. O que, de alguma forma, a tradição e a erudição quiseram construir foi uma imagem de Viriato como o comandante de um povo que, para todos os efeitos, consideramos nosso antepassado. Quase se pode detectar, na interpretação da História portuguesa, a tentativa de recusar o período romano, como se este tivesse sido um mero interregno entre o nobre, valente e audaz povo Lusitano e a nação que conquistou o seu actual território aos sarracenos.
Sabemos bem que hoje pouco ou nada temos que possamos apontar como sendo uma herança lusitana. E, pelo contrário, não podemos negar o quão relevante foi a romanização para a definição da nossa Cultura e para a estruturação da nossa matriz identitária. Sob um ponto de vista Cultural, temos muito mais de Romanos que de Lusitanos. O pouco sangue lusitano que por aí se encontre, está bastante diluído e disperso. Além do mais, sabemos bem que não é a hemoglobina que (nos) preserva a cultura, as tradições ou os costumes.
Não sabemos qual a herança cultural que recebemos dos Lusitanos. Essa herança, a existir, encontra-se completamente perdida no tempo e muito pouco poderemos entender para além do que a História e a Arqueologia nos possam informar. Em todo o caso, este texto não pretende discutir ou a aprofundar essa matéria. Gostaria de destacar, isso sim, o pormenor que tantas vezes se nos escapa: a sempre renovada identificação do povo português com esse povo tão longínquo, que passou à História com o nome de Lusitano.
Nós, portugueses, quer ao nível da mais elevada erudição, quer ao nível do patriotismo mais popular, gostamos de repetir que SOMOS LUSITANOS. De alguma forma, gostamos de nos identificar com esse povo longínquo, apesar de tão distante no tempo e, principalmente, apesar de tão apagados que estão os conhecimentos que temos dos seus hábitos, costumes, tradições, crenças… Certamente que, na nossa cultura e na nossa identidade nacional, se encontram presentes mais marcas de outros povos, do que dos Lusitanos.
Mas nós gostamos de nos rever nesse povo, como se ele marcasse o início da nossa identidade colectiva, assim como consideramos Viriato um herói nacional anterior à Nacionalidade, apesar de muito pouco sabermos sobre essa personagem histórica. Conhecemos alguns aspectos e algumas vicissitudes da sua vida. Conhecemos alguns dos seus feitos militares. Mas, temos de reconhecer que, o que quer que saibamos dele, foi deturpado pela corrosão do tempo, pela inconsistência das fontes e pela (de)formação da lenda.
Mas há um aspecto que conhecemos muito bem: A História diz-nos que Viriato morreu, enquanto dormia, assassinado pelos seus próprios companheiros. Ora, aqui chegados, importa destacar um facto paradoxal que parece escapar à maioria de todos nós. Se nos apropriamos da figura histórica de Viriato, transformando-o num herói da nossa História Nacional, e se nos apropriamos dos Lusitanos, enquanto povo, para de alguma forma nos elevarmos à condição de seus descendentes, não podemos negar um aspecto crucial: consideramo-nos descendentes de traidores e de cobardes. Se dizemos que descendemos dos Lusitanos, não podemos deixar de constatar que, na nossa origem, já revelávamos possuir uma alma digna do que hoje somos. Não nos podemos esquecer que, sempre que nos revemos nesse povo, estamos a dizer que somos descendentes de uns vendidos que, por um punhado de moedas, traíram o seu próprio líder. A traição e a cobardia estão, portanto, na origem da nossa identidade enquanto povo. Cada povo tem apenas as referências míticas que escolhe… e que merece! Na nossa longa História, a exaltação da vida de Viriato, que é também a exaltação da sua morte, é o mais antigo espelho onde nos revemos colectivamente. Somos, portanto, um povo que começou por se destacar pela cobardia e que sublinhou as suas primeiras linhas com um acto de traição.
Como já referi anteriormente, os costumes não se preservam no sangue. Não temos, portanto, com que nos preocupar… Ou temos?
Amanhã regresso à Serra da Estrela, serra que, sabem certamente, era conhecida na antiguidade como Montes Hermínios. Por essas paragens, segundo diz a lenda, caminhou Viriato, comandante das tribos Lusitanas, enquanto guerreava o invasor romano.
Quer a cultura erudita nacional, quer a tradição popular, instituíram e elevaram a figura mítica, lendária e historicamente pouco consistente de Viriato, à condição de primeiro português. Não que se queira retirar o papel preponderante a D. Afonso Henriques. Nada disso. O que, de alguma forma, a tradição e a erudição quiseram construir foi uma imagem de Viriato como o comandante de um povo que, para todos os efeitos, consideramos nosso antepassado. Quase se pode detectar, na interpretação da História portuguesa, a tentativa de recusar o período romano, como se este tivesse sido um mero interregno entre o nobre, valente e audaz povo Lusitano e a nação que conquistou o seu actual território aos sarracenos.
Sabemos bem que hoje pouco ou nada temos que possamos apontar como sendo uma herança lusitana. E, pelo contrário, não podemos negar o quão relevante foi a romanização para a definição da nossa Cultura e para a estruturação da nossa matriz identitária. Sob um ponto de vista Cultural, temos muito mais de Romanos que de Lusitanos. O pouco sangue lusitano que por aí se encontre, está bastante diluído e disperso. Além do mais, sabemos bem que não é a hemoglobina que (nos) preserva a cultura, as tradições ou os costumes.
Não sabemos qual a herança cultural que recebemos dos Lusitanos. Essa herança, a existir, encontra-se completamente perdida no tempo e muito pouco poderemos entender para além do que a História e a Arqueologia nos possam informar. Em todo o caso, este texto não pretende discutir ou a aprofundar essa matéria. Gostaria de destacar, isso sim, o pormenor que tantas vezes se nos escapa: a sempre renovada identificação do povo português com esse povo tão longínquo, que passou à História com o nome de Lusitano.
Nós, portugueses, quer ao nível da mais elevada erudição, quer ao nível do patriotismo mais popular, gostamos de repetir que SOMOS LUSITANOS. De alguma forma, gostamos de nos identificar com esse povo longínquo, apesar de tão distante no tempo e, principalmente, apesar de tão apagados que estão os conhecimentos que temos dos seus hábitos, costumes, tradições, crenças… Certamente que, na nossa cultura e na nossa identidade nacional, se encontram presentes mais marcas de outros povos, do que dos Lusitanos.
Mas nós gostamos de nos rever nesse povo, como se ele marcasse o início da nossa identidade colectiva, assim como consideramos Viriato um herói nacional anterior à Nacionalidade, apesar de muito pouco sabermos sobre essa personagem histórica. Conhecemos alguns aspectos e algumas vicissitudes da sua vida. Conhecemos alguns dos seus feitos militares. Mas, temos de reconhecer que, o que quer que saibamos dele, foi deturpado pela corrosão do tempo, pela inconsistência das fontes e pela (de)formação da lenda.
Mas há um aspecto que conhecemos muito bem: A História diz-nos que Viriato morreu, enquanto dormia, assassinado pelos seus próprios companheiros. Ora, aqui chegados, importa destacar um facto paradoxal que parece escapar à maioria de todos nós. Se nos apropriamos da figura histórica de Viriato, transformando-o num herói da nossa História Nacional, e se nos apropriamos dos Lusitanos, enquanto povo, para de alguma forma nos elevarmos à condição de seus descendentes, não podemos negar um aspecto crucial: consideramo-nos descendentes de traidores e de cobardes. Se dizemos que descendemos dos Lusitanos, não podemos deixar de constatar que, na nossa origem, já revelávamos possuir uma alma digna do que hoje somos. Não nos podemos esquecer que, sempre que nos revemos nesse povo, estamos a dizer que somos descendentes de uns vendidos que, por um punhado de moedas, traíram o seu próprio líder. A traição e a cobardia estão, portanto, na origem da nossa identidade enquanto povo. Cada povo tem apenas as referências míticas que escolhe… e que merece! Na nossa longa História, a exaltação da vida de Viriato, que é também a exaltação da sua morte, é o mais antigo espelho onde nos revemos colectivamente. Somos, portanto, um povo que começou por se destacar pela cobardia e que sublinhou as suas primeiras linhas com um acto de traição.
Como já referi anteriormente, os costumes não se preservam no sangue. Não temos, portanto, com que nos preocupar… Ou temos?
3 comentários:
Hummmmmmm, estás em baixo hoje, pá! O que te deu? Todos os europeus tiveram exactamente os mesmos problemas com os romanos que afinal, até trouxeram grandes melhoramentos à vida daquelas gentes.
:-))
Meu caro Nuno,
O importante deste post está nos dois últimos parágrafos.
Não tenho nada contra as conquistas romanas. Antes pelo contrário. Só quero destacar o facto de nós, portugueses, defenirmos o início da "nossa" História colectiva num acto de cobardia e de traição.
No passado, assim como no presente, somos o que vemos quando nos olhamos ao espelho.
;-)
PS: Agora que estou em baixo, lá isso estou! Esta porcaria da tendinite nunca mais me deixa em paz. Se eu acreditasse em bruxedo... LOL
Dito de outra forma, meu caro,
Tirando o breve período em que D. Filipa de Lencastre soube criar uma geração a todos os níveis fora do comum, parece que, hoje, como no passado, não sabemos muito bem o que andamos a fazer por cá.
Andamos porque andamos. Sem destino, sem rumo e entretidos a espetar facas uns aos outros, em nome de interesses e de motivações supérfluas e momentâneas.
No Panteão de todas as divindades, os deuses lusitanos devem servir de chacota a todas as outras divindades. Imagino as monstruosas, delirantes e ensurdecedoras gargalhadas que eles não soltarão à custa dos nossos deuses menores.
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