Para quem não a conheceu, posso assegurar que a Joana foi uma das mais extraordinárias, inteligentes e eruditas bloggers de Portugal. Tal como o Arrebenta, conquistou a minha admiração através das suas intervenções nos foruns do Expresso Online. A Joana faleceu em Fevereiro de 2006 e, desde então, a blogosfera portuguesa está mais pobre.
Deixo-vos na companhia de um dos seus textos mais hilariantes:
A Ana e a Márcia
Ou uma história triste de um sector com nichos de mercado diferentes
Não foi por ter lido o livro da Maria Filomena Mónica este fim-de-semana. Nem pensem nisso! Honni soit qui mal y pense! Mas, por razões enigmáticas e obscuras, que se perdem nas profundezas, porventura perversas, do meu inconsciente, lembrei-me de uma história simultaneamente triste e de sucesso, que vou contar em seguida. Advirto que esta história não é adequada a espíritos sensíveis, nem a mentes mais preocupadas com a essência da totalidade absoluta, do que com a existência insidiosa dos factos. Assim sendo, não me responsabilizo pelas consequências da sua leitura:
Duas prostitutas encontram-se ao fim de alguns anos. Têm a mesma idade, mas que diferença … A Ana estava viçosa, com o rosto indiferente à marca dos anos, bem vestida, com um vestido em tule bordado e seda, chiquérrimo, e umas sandálias em veludo com atilho e um salto bem alto. A outra, a Márcia, tinha o rosto acabado, sem chama, desbotado, envergando um traje barato, sem gosto, cuja única atracção, vocacionada para a libido dos camionistas de longo curso, eram as suas dimensões exíguas.
A Márcia estava estupefacta:
- Ana, filha … estás um espanto! Como consegues manter-te assim?
- Márcia, há muito que abandonei o passeio. Só o fiz durante poucos meses. Agora tenho outro tipo de clientela. Estável.
- Mas que tipo de clientela?
- Intelectuais.
- Mas que é que esses intelectuais fazem?
- Reúnem-se numa tertúlia e conversam sobre coisas deles. Discutem acerca do que disseram uns tipos estrangeiros que eu não conheço e lêem coisas em voz alta. É variado. Uns lêem poesia e coisas que eles dizem que são culturais; há um que anda sempre a explicar que é preciso desconstruir o real e mais coisas, mas se queres que te diga ... não sei como, pois não consegue mexer uma palha. Não o vejo capaz de andar com uma picareta nas unhas. Ah! e também lêem coisas dos jornais … Lêem às vezes uma mixórdia que eu não percebo nada, ao que parece de um tal Coelho no Prado. Ultimamente não têm lido. Talvez por estarmos na época da caça e ele ter sido abatido.
- Mas o que é que tu fazes? Apenas ouves essas coisas?
- Não, eu ando por ali e vou lambendo-lhes os pénis.
A Márcia teve um momento de incompreensão, o que é normal. A baixa qualificação da mão-de-obra portuguesa atinge todas as nossas actividades, mesmo os sectores semi-abertos ao exterior e com grande potencial, como este. Mas ela queria instruir-se, qualificar-se, abraçar o plano tecnológico, e perguntou:
- Pénis? Que é isso?
A Ana esteve uns segundos hesitante, e depois explicou:
- Ó filha, deixa ver se te consigo explicar…. Pénis é uma coisa que os intelectuais têm … é difícil de dizer … deixa ver ... olha ... é uma coisa assim a modos como o ca**lho … mas flácida.
Momento de reflexão:A Ana não foi suficientemente precisa. Em rigor deveria ter dito que a tarefa dela era a de desconstruir sexualidades heteronormativas, o que evitaria que a conversa descambasse para uma semiótica redutora e pouco abrangente.
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